Lucky Luke, criado por Morris em 1946, já entrou na terceira idade de um percurso muito vivido: começou como cowboy agressivo de cigarro a cair do lábio, pronto a esmurrar qualquer malfeitor; podado pelo correr do tempo passou a herói moderadíssimo de palhinha na boca; deu origem a uma revista (efémera) com o seu próprio nome; foi adaptado para o cinema de animação e também para imagem real (interpretado por Terence Hill); tornou-se imprescindível sob a alçada de Goscinny e acabou risível debaixo de Morris e de uma equipa de muito duvidoso talento, que praticamente matou a personagem em termos artísticos. Mas quando o túmulo de Lucky Luke começava a ser escavado, eis que ressuscita surpreendentemente, pelas mãos da dupla francesa Achdé e Gerra. Por tudo isto, este álbum de Lucky Luke torna-se um marco, porque nos permite descobrir o talento de Laurent Gerra, verdadeiro fã da série, no seu novo papel de argumentista e constatar que Achdé é um notável “imitador” do Mestre Morris. É também o primeiro volume das novas aventuras na era-pós Morris, daí a mudança de antetítulo para “As aventuras de Lucky Luke segundo Morris”. Portanto, todos os fãs do “cowboy solitário” podem agora continuar a seguir as suas histórias, desta vez com uma lufada de “ar fresco”, tão agradavelmente actual e satirica. Resumindo, estamos perante uma agradável (e tão desejada) surpresa. Não poderia ter havido “ressurreição” melhor!
É esta injecção de talento que faz de Lucky Luke no Quebeque um êxito. Retomar uma série é sempre uma tarefa complexa, sobretudo quando se trata de um mito como Lucky Luke, criado e animado quase durante 50 anos por um dos grandes génios da Banda Desenhada, o imenso Morris.
No desenho, Achdé demonstra através das suas séries que é capaz de ressuscitar com respeito e criatividade o mais célebre cowboy da Banda Desenhada, sendo muito respeitoso no tratamento de Lucky Luke, mas o seu traço é bem mais rico e tridimensional (digamo-lo francamente: desenha melhor do que Morris) e a sua planificação é bastante inventiva, havendo um corte profundo, mas feliz, ao nível gráfico.
A Laurent Gerra, o mais popular imitador e humorista da última década em França (ou seja, o Herman José francês), coube a tarefa de suceder a Goscinny, De Groot e Nordmann. A aposta foi ganha.
Aliás, Gerra consegue ir mais longe, elaborando um argumento consistente e original, deitando mão a anacronismos típicos de Goscinny, - mas em Astérix e não em Lucky Luke - e divertindo-se com trocadilhos de fazer inveja ao francês (como a piada do hot dog), tais como as alusões aos hiper-mercados Leclerc ou ao activista anti-globalização Joseph Bové. Fiel apreciador da série, Laurent Guerra recupera os melhores momentos de Lucky Luke e dá-lhe o seu toque pessoal através de uma incrível sucessão de personagens secundários deliciosos, de Céline Dion, cantora de cabaret, a Levy Strauss, inventor dos jeans, que facilmente nos fazem esquecer dos irmãos Dalton.
A história assemelha-se a um clássico. Lucky Luke parte em direcção ao Quebeque à procura da apaixonada de Jolly Jumper. No faroeste francófono, o cowboy solitário cruza-se com um velhaco que pensa que o dinheiro tudo pode comprar. Perseguições, cavalgadas, duelos na neve e, evidentemente, batalhas de salão épicas, todos os ingredientes estão lá para gáudio dos leitores, pequenos e grandes.
A história tem destas ironias: foi preciso que o criador morresse para a sua criação ganhar vida!